segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Envelhecendo

"Lembro-me de quando era criança e via, como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela não raiava para mim, mas para a vida. Porque então eu, não sendo consciente, eu era a vida. E via a manhã e tinha alegria. Hoje vejo a manhã, tenho alegria, e fico triste. Eu vejo como via, mas por trás dos olhos, vejo-me vendo. E só com isso, se obscurece o sol, o verde das árvores é velho, e as flores murcham antes de apreciadas."

Envelhecer. Este o dilema crônico de cada um. Como num poema de Fernando Pessoa, não sou mais o mesmo a cada ano que passa, mas diverso e único a cada ano que passa por mim.

Todos envelhecemos, pais, filhos, amigos e ausentes. Mas todos sabemos que guardamos em comum apenas o desejo de ser o que jamais conseguimos. Ou conseguiremos.

Nas voltas que o mundo dá a gente se descobre forte, fraco, ora rico, às vezes apático. Mas o que perseguimos, a cada manhã acordada, a cada noite dormida? O que buscamos, senão o destino da vida?

O homem vive cercado de dúvidas, mas busca sempre refúgio nas poucas certezas que encontra. Mas esquecer parece ser este, de fato, o verdadeiro destino de muitos. Esquecer muitas vezes acaba sendo um alívio, quando a ausência de dor ou tristeza acaba confundida com a alegria, estado natural da felicidade.

Mas envelhecer é melhor quando não esquecemos. Quando olhamos pra trás e descobrimos que algumas pessoas passaram por nossa vida e acabaram ficando – em nossa memória, em nossa lembrança, às vezes até em gestos não percebidos. Nascemos uno, morremos vários – eu sou o que fui e mais quem foi em meu passado; eu sou o que vivo e com quem vivo, não vivo isolado.

Como não acreditar que a vida permaneça? Como admitir que morremos com o corpo, reduzidos à simples carcaça? Eu sei que envelheço a cada dia com quem vivo ou já vivi. São testemunhas e participantes de meu estágio terreno. Estão em mim, mesmo que ausentes. Chegaram e ficaram.

Mas de tudo isso o que aprendo a cada dia é que a incerteza é o grande trunfo da vida. E a dúvida nossa primeira e maior religião. O que faz sentido na vida senão as estações da natureza, estas sim, sempre presentes apesar do homem e seus temores?

Somos o que perguntamos, jamais o que sabemos. O saber é tênue, mas a dúvida é eterna. Envelhecer é o segredo de aprender a duvidar, e fazer da dúvida a única certeza de que o que vivemos vale sempre a pena experimentar.

Livro - Crime Castigo - Fiodor Dostoievski
Musica - Don't Let Me Down - The Beatles
Rodada - Palmeiras 3 x 1 Atletico-MG

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